Antígona,
Sófocles, ed: L&PM Pocket, vol. 173, 2006
"Picket lines and picket signs
Don't punish me with brutality
Talk to me So you can see...
what's going on".
Marvin Gaye
Poderia ser considerado uma tragédia, mas não é.
Antígona de Sófocles, que arrumei meio por acaso na Martins Fontes, veio bem a calhar. É tanto uma tragédia em si, como um conflito metafísico e ontológico entre o positivismo e o jusnaturalismo. Não esperava tanto!
Vamos ao contexto:
Terceira parte da triologia tebana, Antígona, filha de Édipo e Jocasta, que tinham mais três filhos, Etéocles, Ismene e Polinice. Foi a única filha que não abandonou seu pai, Édipo, quando este foi expulso de seu reino, Tebas, pelos seus dois filhos. Seu irmão, Polinice, tentou convencê-la a não partir do reino, mas Antígona, altruísta, acompanhou o pai em seu exílio até sua morte.
O início do livro se dá quando volta de Tebas e encontra seus irmãos brigando pelo trono.
Ocorre, que pela violência da luta, ambos morrem. Creonte, tio deles, herda o trono, faz uma sepultura com todas as honrarias à Etéocles, e deixa Polinice onde caiu, proibindo qualquer um de sepultá-lo sob pena de morte.
Antígona, inconformada, tenta convencer a irmã (Ismene) a enterrá-lo, pois, quem morresse sem os rituais funebres, seria condenado a vagar cem anos nas margens do rio que levava ao mundo dos mortos, sem poder ir para o outro lado.
Desaconselhada pela irmã que teme a fúria do Tio, bem como a pena capital imposta por este a quem tivesse a audácia, enterra mesmo assim Polinice com as próprias mãos.
Creonte ao ser avisado de que alguém enterrara seu desafeto, culpa um dos guardas de plantão e manda desenterrar o insepulto.
Após de descobrir que o cadáver recebera novamente o ritual fúnebre, Creonte ordena a soltura do guarda e posteriormente, conhecendo a autoria, manda prender Antígona e Ismene.
Creonte aqui representa o Estado Tirânico, é o juiz, o júri e o carrasco num só. Soberbo e cegado pelo poder, não quer dar ouvidos aos argumentos das acusadas, mas sim aplicar imediatamente a letra fria da Lei, condenando ambas à morte. Mas seguindo as palavras do velho e sábio Corifeu, deixa-se convencer a dar ouvidos às irmãs. Ismene, apesar de covarde, assume toda a culpa. Antígona desmente a irmã e esta é imediatamente libertada.
Daí, ao defender-se sozinha, Antígona, invoca o direito natural, que tem por fundamento a razão divina, perfeita e acabada e que, por isso, seria maior que a lei dos homens, imperfeita e incompleta. Apela aos deuses gregos, pois esta lei (jus naturae) já estaria cravada no coração da humanidade, sendo impossível de ser alcançada pela tirania de seu tio (jus civile):
CREONTE
- mesmo assim ousaste transgredir minhas leis?
ANTÍGONA
- Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou, nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens.
Assim, a personagem, abala todo o sistema legal vigente. Ao perceber que Antígona planta no coração dos cidadãos o questionamento à ordem estabelecida, fica mais evidente à Creonte a necessidade de eliminar sua insurreta futura nora.
Vendo que sua noiva seria iminentemente executada, Hemon, apela ao pai para que não condenasse Antígona à pena capital, mas Creonte, mesmo abalado pela contestação da ré, resolve não interceder a favor do filho, pois assim acabaria mostrando fraqueza ante a população e possivelmente seria despojado, afinal é melhor ser temido a ser amado.
Antígona é condenada à inanição numa caverna, sem que lhe fosse concedido direito ao matrimônio com Hemon. Corifeu com pena da condenada, até tenta interceder ao seu favor, mas em vão.
O tirano, após sua sentença, começa a ser tomado por dúvidas e vai consultar-se com Tirésias, o vidente. Este prevê grandes desgraças para o rei caso ele insista com a perversa condenação.
Creonte, arrependido de ter aplicado a pena capital à nora, ordena sua soltura, mas um mensageiro chega lhe trazendo más notícias...
Bem, não posso ir além senão estragarei o final do livro. Porém, deixo aqui a sugestão para a leitura. O embate entre o Direito Positivo (dos homens) em face do Direito Natural (da natureza) é antigo, talvez até mais do que o próprio Direito em si, como pudemos ver na tragédia resenhada. Hodiernamente, temos o manjado conflito: aborto legal (d. positivo) X direito à vida (d. natural), pois a vida é considerado bem supremo para o ius naturae ; legitimidade para velar seu consanguíneo X obrigatoriedade de obedecer a Lei.
É a escolha de cada um. Dizem:
-se a lei for injusta, largue a lei a abrace a justiça!
e outros dirão:
A lei é dura, mas é a Lei.
Sófocles, ed: L&PM Pocket, vol. 173, 2006
"Picket lines and picket signs
Don't punish me with brutality
Talk to me So you can see...
what's going on".
Marvin Gaye
Poderia ser considerado uma tragédia, mas não é.
Antígona de Sófocles, que arrumei meio por acaso na Martins Fontes, veio bem a calhar. É tanto uma tragédia em si, como um conflito metafísico e ontológico entre o positivismo e o jusnaturalismo. Não esperava tanto!
Vamos ao contexto:
Terceira parte da triologia tebana, Antígona, filha de Édipo e Jocasta, que tinham mais três filhos, Etéocles, Ismene e Polinice. Foi a única filha que não abandonou seu pai, Édipo, quando este foi expulso de seu reino, Tebas, pelos seus dois filhos. Seu irmão, Polinice, tentou convencê-la a não partir do reino, mas Antígona, altruísta, acompanhou o pai em seu exílio até sua morte.
O início do livro se dá quando volta de Tebas e encontra seus irmãos brigando pelo trono.
Ocorre, que pela violência da luta, ambos morrem. Creonte, tio deles, herda o trono, faz uma sepultura com todas as honrarias à Etéocles, e deixa Polinice onde caiu, proibindo qualquer um de sepultá-lo sob pena de morte.
Antígona, inconformada, tenta convencer a irmã (Ismene) a enterrá-lo, pois, quem morresse sem os rituais funebres, seria condenado a vagar cem anos nas margens do rio que levava ao mundo dos mortos, sem poder ir para o outro lado.
Desaconselhada pela irmã que teme a fúria do Tio, bem como a pena capital imposta por este a quem tivesse a audácia, enterra mesmo assim Polinice com as próprias mãos.
Creonte ao ser avisado de que alguém enterrara seu desafeto, culpa um dos guardas de plantão e manda desenterrar o insepulto.
Após de descobrir que o cadáver recebera novamente o ritual fúnebre, Creonte ordena a soltura do guarda e posteriormente, conhecendo a autoria, manda prender Antígona e Ismene.
Creonte aqui representa o Estado Tirânico, é o juiz, o júri e o carrasco num só. Soberbo e cegado pelo poder, não quer dar ouvidos aos argumentos das acusadas, mas sim aplicar imediatamente a letra fria da Lei, condenando ambas à morte. Mas seguindo as palavras do velho e sábio Corifeu, deixa-se convencer a dar ouvidos às irmãs. Ismene, apesar de covarde, assume toda a culpa. Antígona desmente a irmã e esta é imediatamente libertada.
Daí, ao defender-se sozinha, Antígona, invoca o direito natural, que tem por fundamento a razão divina, perfeita e acabada e que, por isso, seria maior que a lei dos homens, imperfeita e incompleta. Apela aos deuses gregos, pois esta lei (jus naturae) já estaria cravada no coração da humanidade, sendo impossível de ser alcançada pela tirania de seu tio (jus civile):
CREONTE
- mesmo assim ousaste transgredir minhas leis?
ANTÍGONA
- Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou, nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens.
Assim, a personagem, abala todo o sistema legal vigente. Ao perceber que Antígona planta no coração dos cidadãos o questionamento à ordem estabelecida, fica mais evidente à Creonte a necessidade de eliminar sua insurreta futura nora.
Vendo que sua noiva seria iminentemente executada, Hemon, apela ao pai para que não condenasse Antígona à pena capital, mas Creonte, mesmo abalado pela contestação da ré, resolve não interceder a favor do filho, pois assim acabaria mostrando fraqueza ante a população e possivelmente seria despojado, afinal é melhor ser temido a ser amado.
Antígona é condenada à inanição numa caverna, sem que lhe fosse concedido direito ao matrimônio com Hemon. Corifeu com pena da condenada, até tenta interceder ao seu favor, mas em vão.
O tirano, após sua sentença, começa a ser tomado por dúvidas e vai consultar-se com Tirésias, o vidente. Este prevê grandes desgraças para o rei caso ele insista com a perversa condenação.
Creonte, arrependido de ter aplicado a pena capital à nora, ordena sua soltura, mas um mensageiro chega lhe trazendo más notícias...
Bem, não posso ir além senão estragarei o final do livro. Porém, deixo aqui a sugestão para a leitura. O embate entre o Direito Positivo (dos homens) em face do Direito Natural (da natureza) é antigo, talvez até mais do que o próprio Direito em si, como pudemos ver na tragédia resenhada. Hodiernamente, temos o manjado conflito: aborto legal (d. positivo) X direito à vida (d. natural), pois a vida é considerado bem supremo para o ius naturae ; legitimidade para velar seu consanguíneo X obrigatoriedade de obedecer a Lei.
É a escolha de cada um. Dizem:
-se a lei for injusta, largue a lei a abrace a justiça!
e outros dirão:
A lei é dura, mas é a Lei.