O Arquipélago Gulag - Alexandre Soljenítsin
(Círculo do Livro S/A) R$ 10,00 (nos sebos)
Qual é o valor da vida que não pode ser vivida?
Qual o regozijo de nascer são, livre, mas colocado numa fossa e impedido de mover-se, alimentar-se, dormir ou pensar? Ou numa cela cheia, fétida, insalubre com uma lâmpada ligada por vinte e quatro horas sob sua cabeça?
Confesso que muitos livros me impressionaram (A Estrada, Ensaio Sobre a Cegueira), outros nem tanto (Amor de Perdição, O Código Da Vinci), mas pouquíssimos conseguiram, de tão profundos, mudar a forma do meu pensamento. Simplesmente é como um recomeço (-parem o mundo pois eu quero descer!). Somente dois: O Evangelho de Tomé e este... O Arquipélago...
A sinopse está em todos os cantos da internet, pouparei-os. Todavia, é mister que se leia antes "O Processo" do Franz Kafka e, também, "1984" ou a "Revolução dos Bichos" do Orwell, para situar-se historicamente.
Lidos, é preciso adentrar com cuidado, pois a realidade é muito mais atormentadora à ficção. Nem a fantasia conseguiu chegar aos píncaros da verdadeira torpeza humana: -o genuíno moedor de homens.
Por muitos anos, nas escolas em que estudei (pública e depois privada), fui constantemente doutrinado por meus professores. Já insistiam no proselitismo onanista-soviético pós-muro de Berlim, quando a presidência do Sr. Lula ainda era um sonho distante. Como uma esponja, lá ia eu, todo prosélito, fazer a pregação "pequeno-burguesa" à minha família. Considerando a situação à época (Plano Collor, inflação galopante...) estava meio difícil de encontrar a minha parte "burguesa", mas 'pequeno' era abundante. Meu pai, pacientemente, ouviu todas as minhas abobrinhas. Não falava nada, apenas pedia para que eu estudasse mais.
Só fui entendê-lo muito tempo depois.
Pois, ano após ano, a verdade me veio à tona. Compreendi a Queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética. Entendi o que era ser manipulado pelos professores, entendi que os fins não justificam os meios e, por fim, entendi o que certas pessoas fazem pelo poder (o pudê). Só que ainda não tinha a ideia clara do quanto se podia ir longe... Só percebi esta medida ao terminar este livro: -simplesmente não há limites.
Muito do que já vomitaram em meus ouvidos resumia-se a "Lenin bom, Stalin, necessário". Stalin combateu Hitler, os Soviéticos chegaram em Berlim antes dos americanos e blá blá blá. Os fatos estão corretos, lindo. Só esqueceram de avisar o que se passava por detrás da cortina de ferro. O que estes 'heróis' fizeram a seu próprio povo e alguns estrangeiros, a que preço se mantiveram no poder e como conseguiram destruir toda a força intelectual de um país a ponto desta nação não conseguir produzir, pelo menos, 1 escritor que prestasse, pois massacraram todo ser que fosse capaz de algum questionamento. Mais impressionante é como conseguiram transformar homens em bois, que de tão mansos, caminhavam ao matadouro sem questionar. É o ponto ontológico do livro: como transforma pessoas em coisas, apáticas, sem paixão, vontade ou iniciativa, ou seja, zumbis.
Obs: aqui preciso fazer um adendo. O livro não é pró yankee, pois narra participações dos aliados na morte de civis inocentes das formas mais sórdidas e covardes possível.
Meus caros, é simples e muito, muito rápido.
1) Tudo sempre começa com uma boa intenção (normalmente uma revolução) a fim de destruir o sistema em vigor, acusando-o de déspota, corrupto etc.
2) Depois, se aliam até inimigos figadais e toma-se o poder pela força.
3) Imposto o novo sistema, matam-se todos os que verdadeiramente (ou não) colaboraram para o antigo regime (sabe aquele vizinho que você não gosta muito? Linchamento é bem útil nessas horas).
4) Liquidando o último "inimigo" é aberta a temporada de caça aos "amigos", ou seja, fabricam-se traições, infidelidades e desvios. Normalmente colhe-se pela tortura uma confissão, algumas denúncias espionagem e voilà, está prontinho mais um julgamento público. Sentencia-se à morte e a população é entretida (por hora) com sangue (só circo, nada de pão).
5) Com a morte de todos os ex-aliados, passa-se ao terror constante do inimigo externo, bem como, dos famosos "desvios" internos. Assim, caça-se à esmo a própria população. O hecatombe é de forma livre e mais sacrifícios são necessários. Pode-se matar de fome, sede, tortura... o importante é manter o medo constante e evitar o questionamento.
6) Depois do nível 5 dificilmente o ditador de plantão perde o poder (todos já estão mortos!). Exterminam-se tantos que é possível que não haja um para contar a história, simplesmente é apagado da memória coletiva, como se nunca tivesse existido.
No último nível, a única preocupação do tirano de plantão é sobrecarregar a população com o culto à sua personalidade e, a cada 10 anos, aniquilar todos seus aliados trocando-os por acólitos mais jovens (e mais doutrinados), naquele mesmo esquema: tortura, confissão, julgamento e morte. Um ou dois inimigos externos também ajudam.
Na hora do abate não pode haver qualquer tipo de compaixão, é preciso matar homens, mulheres, crianças, religiosos, intelectuais, professores, mendigos, inocentes úteis, porém principalmente os ex heróis. No livro, os soldados que lutaram pela União Soviética e viram a vida do outro lado (na Europa), viram a liberdade, viram que não era preciso passar pela fome,e também os que viram a incompetência do próprio governo eram todos mortos nos campos ao retornarem à pátria. Havia o risco de contar aos outros o que havia além da cortina, de contar que lá a vida era melhor.
Assim, por derradeiro, recomendo muito este livro. É como o fruto da árvore do bem e do mal, é abrir os olhos, é entender as ideologias e militâncias burras, é compreender a gnose da estupidez humana, todo o sadismo ilimitado pelo sofrimento do outro, é o livro que te dará a percepção de identificar o perigo... e, principalmente, é o livro que te ensinará a pensar e questionar, não acreditar em nada do que te dizem... e se for para crer, será na metade do que vê.
E para os psicopatas de plantão é um bom guia de homicídios em massa.
Apenas leiam e tirem suas conclusões.