domingo, 20 de julho de 2008

Estava lá para quem quisesse ver.


Esta semana saiu no Estadão (1º Caderno, A22, 20/07/08) uma reportagem do fotógrafo sobra da morte do soldado que fotografou socorrendo uma criança iraquiana intitulado:

Minha foto deu fama ao soldado Dwyer. Teria influenciado em sua morte?

O soldado Dwyer, após 5 anos em luta no Iraque, retorna aos Estados Unidos. Incapaz de superar PTSD (distúrbio de stress pós-traumático), acaba suicidando-se. Independente dos fatos narrados pelo fotógrafo Warren Zinn, que fez uma retrospectiva de seu contato com o menino ferido (Ali Sattar) e com o próprio Dwyer após a foto ter-se tornado mundialmente reconhecida, cabe apenas nesse espaço, não indagar-nos sobre o porquê, mas recordarmos do quanto o horror nos toma em humanidade.

Nada do que já não tenhamos visto nos filmes (apocalipse now), nos livros (no coração das trevas) ou na vida (PCC, CV), o horror nos macula por dentro a tal ponto que mesmo fora desta zona de medo, o medo e os pesadelos continuam entranhados como parasitas na psique.

É importante indagar o quão perigoso será a vindoura geração, quando traz no DNA o terror. Pois a corrosão interna corporis está para todos nós independente da nossa nacionalidade. Está em todos os lugares, assim como as armas para atirarmos em fantasmas, mais potentes, destruidoras.

É preciso ensinar aos nossos filhos algo diferente da devastação em meio ao tiroteio. Muros, grades, seguranças e cães nada podem contra aquilo que é intangível. A defesa material contra ataques físicos é possível, mas nada contra a barbárie invisível que nos adentra pelos olhos, soam aos ouvidos e exalados tomam-nos os olfatos. Esse mal, uma vez comendo lhe a carne, volta contra si mesmo e/ou todos dentro da sua ilha de segurança.

Independente de filosofia ou credo, é preciso combater, é preciso ensinar e é preciso recuperar a geração, sob pena do canibalismo social, que facilmente passa pelas fronteiras e defesas armadas.

Não venho aqui para pregar o apocalipse, mas é preciso cobrar responsabilidade... e é preciso responsabilizar-ser também.

domingo, 6 de julho de 2008


Interpretatio facienda contra eum qui clarius loqui potuisset ac debuisset”

Porventura você já atirou a primeira pedra?

Já contestou um axioma?

Mentiu para contar a verdade?

Bem, eu já.

Uma vez Jimi Hendrix cantou: “are you experienced? / Have you ever been experienced? / Well, I have”.

SARTRE, Jean-Paul (1905-1980). As Moscas. ed. Nova Fronteira / 2005.

Sobre este livro, é notório que Sartre o escrevera concomitantemente à sua principal obra filosófica -O Ser & o Nada-, ambos de 1943. Seu pensamento foi muito difundido à época devido à moda existencialista que seguiu-se aos seus trabalhos publicados, acrescido ao fato de ter-se tornado também um famoso romancista e teatrólogo. Sobre Sartre, basta uma rápida pesquisa na Wikipedia (www.wikipedia.org) para situar-se no contexto deste livro.


Ainda no início da 2ª Guerra Mundial, mais propriamente em 1940, a França é invadida pela Alemanha Nazista. Ainda traumatizada pelos estragos da 1ª Guerra, assina um armistício com seu algoz, buscando um “mal-menor” e evitando assim a destruição imediata do país. Dessa forma, a França é imediatamente divida em duas, sendo instalado em Vichy a sua nova capital, passando-se o comando para o antigo herói da 1ª Guerra, o General Phillipe Pétian.


Buscando a reconstrução nacional, a França agora não passava de uma “colônia” que servia aos interesses de Hitler e seus asseclas. Em frangalhos, não restava ao estado gaulês qualquer saída a não ser a auto-penitência, colaboração e degradante subordinação, pois ao menor sinal de resistência seriam rapidamente dizimados pelo Estado Alemão.


Passados três anos sob ocupação alemã, o colaboracionismo de Vichy não presentava sinais de recompensa pela auto-humilhação francesa perante o 3º Reich, pior, o estado nazista parecia regozijar ainda mais com a penúria de seus cativos. O sadismo alemão já há muito superava o masoquismo francês, sugavam até não poder mais o país, saqueando, torturando e executando o que e quem bem quisessem.


E é sobre essa plataforma histórica que se localiza “As Moscas”. No auge da submissão do governo Vichy, Sartre apropria-se da obra do poeta trágico grego Ésquilo (Agamemnon), para rescrevê-lo à sua maneira. A história original conta que depois de dez anos, Agamenon volta da Guerra de Tróia vitorioso, trazendo ricos despojos, a grande motivação da campanha. Clitemnestra prepara recepção calorosa para seu marido, mas como já havia planejado com seu amante Egisto, mata Agamemnon e a vidente Cassandra, vinda de Tróia, vingando a filha Ifigênia, sacrificada pela vitória na guerra.


Na obra em tela, Orestes voltando para casa junto com seu tutor, vê sua cidade natal recoberta de moscas, simbolizando a culpa pela aquiescência em relação ao assassinato de seu pai. O povo é manipulado por Egisto e Zeus, numa farsa religiosa que envolve "a volta dos mortos.' A população ao invés de erguer-se contra seus líderes, prefere expiar seus pecados publicamente por não terem avisado seu falecido rei da traição da rainha. Zeus para garantir a catálise da culpa, investe contra a cidade um enxame de moscas sedentas de sangue, que torturam os habitantes tanto física quanto psicologicamente.


Na caricatura sartriana, os habitantes de Argos são os franceses; Egisto, o amante da rainha, homicida do rei e consecutivamente o usurpador do trono é a Alemanha Nazista; Clitemnestra, a rainha, a traidora colaboracionista e partícipe da farsa dos mortos é a França de Vichy, consecutivamente Pétain; Júpiter, é a representação religiosa, o braço católico que deu suporte ao governo entreguista; Orestes, filho que voltou para vingar o pai, é a resistência e Electra, a filha de Agamemnon que vive no palácio e sonha com a desforra do pai, aqui poderia encaixar-se como aqueles que sonhavam com a luta, mas pela covardia, nada faziam.


A peça “As Moscas”, em resumo, exortava à luta violenta contra os usurpadores e contra o conformismo de parte da população.


Este livro/teatro é, outrossim, uma ponte para seu tratado mais importante: O Ser & o Nada, que sintetizava o existencialismo sartriano, delineando as influências de Husserl, Heidegger, Jaspers e Scheler e ainda pela longa manus de Kierkegaard. Portanto, seu existencialismo, na concepção filosófica, é uma moral da ação porque considera que a única coisa que define o homem é seu ato. Ato livre por excelência, mesmo que o homem sempre esteja situado em determinado tempo ou lugar, não importando que as circunstâncias fazem dele, mas sim o que ele faz do que fizeram dele.


Aqui, Orestes, simbolizando o “resistente”, o homem comum que ‘se escolhe herói’, desafiando os vínculos mais ‘sacrossantos’ com a ordem estabelecida, sendo impulsionado à ação por um inconformismo juvenil a aprender com sua irmã Electra, embora ele própria esteja ainda presa nas armadilhas de um sentimento apenas passivo, de ódio estéril e vulnerável (texto apresentação de Caio Liudvik), servem de alicerce para exemplificar sua teoria. Em dado momento, Zeus confessa a Egisto, o usurpador:


...O doloroso segredo dos deuses e dos reis: é que os homens são livres...”


...uma vez que a liberdade explodiu na alma de um homem, os deuses nada podem contra ele...”


Essa é a chave do existencialismo, bem como é a chave do livro. Infelizmente não posso ir além, pois se fosse estragaria o gran finale. Deixo um pouco de lado o conteúdo da mise-en-scène, recepção e críticas, pois isso tudo você poderá encontrar na apresentação do livro.


Por fim e sem mais delongas, você DEVE ler esse livro, tanto pela história empolgante, engraçada, trágica, como também pelo enredo e final espetaculares. Soma-se ainda o fato de tratar-se de um livro sobre todos nós. Sobre o destino das nossas escolhas, sobre essas escolhas que fazemos como pessoas livres e sem a intervenção de deuses ou de presidentes.


A leitura é leve (e até um pouco rápida demais), contrastando com o prolixo O Ser & O Nada. Mas se mesmo assim palavras como: existencialismo e ontologia fenomenológica te assustem um pouco, fique tranqüilo, esta peça foi justamente elaborada para àqueles que não querem enveredar por um caminho excessivamente teórico-filosófico-enfadonho (não são nem 100 páginas e ainda por cima está no formato de diálogos. [a tradução é excelente!]). Na verdade, você vai se divertir muito.


BOA LEITURA


PS: E para o bem ou para o mal, é preciso saber estar só, les chemins de la liberté germinarão em ti após esta leitura, pois este livro/peça aproveita uma época apolítica da vida de Sartre e por muitos é considerado seu ápice criativo.


PPS: Embora os “esquerdóides” tentem ao máximo apagar Albert Camus da biografia de Sartre & Beauvoir, é impossível deixar de citá-lo. Pois a amizade Camus & Sartre teve o seu pontapé bem aqui, no ensaio para a peça “Les Mouches”, depois disso eles nunca mais foram os mesmos.

______________________________

Eu experimentei e você?


Brandemburgo - Henry Porter



O perfil de quem vai gostar com certeza deste livro são pessoas que curtem história. O livro em questão (Brandemburgo), é um romance policial com toques de suspense, aventura, emotividade, e até amor, e narração de fatos verídicos que ocorreram entre julho e novembro de 1989 na Alemanha Oriental. Apesar do autor da obra ser um renomado jornalista inglês (Henry Porter), o personagem central da trama é um espião desiludido de meia-idade da polícia secreta alemã oriental : a “Stasi”. O livro merece ser lido pois seu enredo é envolvente, ele não cai no “pieguismo” dos best-sellers, e nem mesmo tenta ser pretensioso e revelador; ele apenas narra uma história de um cidadão que teve o azar de nascer numa ditadura comunista na qual a delação de traidores da pátria é um ato corriqueiro e a tortura, assassinato e lavagem cerebral são praticados constantemente pela Stasi, sem que a população possa fazer nada contra.

Porém o nosso “herói” Rudolf Rosenharte felizmente é dotado de extrema inteligência e coragem, e após cair em várias ciladas, tramas e conspirações envolvendo a KGB, a CIA, o MI-5 da Inglaterra e a própria Stasi, vai a luta para salvar seus entes queridos da morte certa, pois por razões que não posso explicar aqui, ele passa de agente do estado a pária político. E em um estado que uma em cada sete pessoas são informantes secretos, e cuja polícia política tem mais de cem mil membros, ele terá de negociar e barganhar muito para se manter vivo, e com esperanças de escapar a salvo para o Ocidente com seu irmão, cunhada e sobrinhos.

O clímax da história se dá no momento em que começa a haver uma corrida contra o tempo para tirar seu irmão das sessões de tortura e interrogatório no quartel general da Stasi, ao mesmo tempo em que começam a pipocar movimentos contrários ao regime por todo o país que culminarão, como a realidade nos mostrou há vinte anos, na queda do muro de Berlim.

Destaco como pontos positivos a precisão histórica dos eventos, a inclusão de alguns personagens reais na história (principalmente os de mais alto escalão), e a abordagem de um tema raro na literatura e história, que é a guerra fria pelo ponto de vista de cidadãos da República Democrática Alemã, mais conhecida como Alemanha Oriental.

Com exceção de filmes como Adeus Lênin, O Túnel e A Vida dos Outros, a arte escrita e filmada relacionada à Alemanha concentra-se demais nos temas do Nazismo e Segunda Guerra Mundial, que são assuntos já discutidos em demasia, principalmente do ponto de vista Norte-Americano. Portanto vale a pena esta leitura, não só pelo divertimento, mas pelo aprendizado de como era a vida naquele mundo polarizado e maniqueísta da Guerra Fria, do lado de lá da “Cortina de Ferro”.